terça-feira, 20 de outubro de 2009

09

Rafael remexia-se, sentado desconfortavelmente em um banco tripé e bambo. Encontrava-se em outro cômodo da capela, uma espécie de sacristia sem qualquer iluminação externa e úmida a ponto de fazê-lo pensar estar outra vez em um porão, esse possivelmente bem próximo de uma mina d’água. Mantinha a muito custo os últimos resquícios de calma em meio às circunstâncias.

A figura que avistara antes na penumbra do salão principal fazia-lhe companhia: um velho anão que socava ervas repicadas no fornilho de um cachimbo desproporcionalmente grande frente à sua estatura reduzida. Entre os dois, uma mesa tão pouco confiável quanto o banco onde Rafael se equilibrava tinha em seu centro a adaga misteriosa e o pacote que ele encontrara na porta da casa do avô. No chão, em frente a uma parede, gravetos em chamas esquentavam água para um chá.

O embrulho em forma de caixa estava aberto. Seu conteúdo iluminava os rostos dos dois à sua volta e projetava sombras distorcidas atrás da parca mobília da sacristia. Rafael reconhecia a forma esférica do objeto no interior do pacote, assim como a tonalidade vermelha-fogo da luz que ele emanava; aquele era o sol noturno do quadro no corredor que dava acesso à oficina do avô. Agora, o fato de ele ter estado o tempo todo lá, dentro da caixa, era só uma entre as questões esperando resposta.

— Quem é você? — Rafael perguntou ao anão, que acendia o cachimbo usando uma pedra de fósforo com a qual alguém sem a devida prática haveria certamente se queimado. Não haviam se apresentado adequadamente entre os bancos da capela. Rafael chegou a dizer seu nome, mas se ateve a fazer perguntas desconexas e até certo ponto desequilibradas a respeito de vida, morte, céu e inferno.

— Oldor. De Lúmen — o anão pendurou o cachimbo no canto da boca ao responder e já enchia de fumaça o ar sobre a esfera, alimentando a ilusão de que havia uma fogueira sobre a mesa.

— Onde eu estou, afinal? O que aconteceu comigo?

— Por que você veio parar aqui é algo além da minha compreensão — Oldor disse entre dentes com sua voz rouca. — Mas você é provavelmente a única criatura, humana ou não, em todo continente de Tenébria sem saber onde está.

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