terça-feira, 3 de novembro de 2009

11

Rafael estava atordoado. Parecia-lhe cada vez mais plausível a hipótese de estar tendo um sonho lúcido. Analisando os fatos desde que acordara no chão da capela, percebia o quanto os acontecimentos recentes eram absurdos. Inclusive o fato de ele ter se permitido fazer parte daquilo. Não pôde evitar uma espiadela no teto baixo da sacristia para se certificar de que um elefante verde-musgo não estava voando em círculos sobre sua cabeça... O mais inquietante era que, se houvesse começado a sonhar quando despertara naquele lugar, o que afinal teria se passado na oficina do avô? Talvez estivesse mesmo morto e aquele fosse o purgatório de que o padre falara certa vez... Logo o bater do cachimbo emborcado de Oldor sobre a mesa o trouxe de volta de seus pensamentos.

— Seu avô nunca mencionou Tenébria, não é mesmo? — o anão suspirou e retirou as folhas de erva-de-bugre das canecas. Bebeu um gole do chá, apreciando tanto quanto alguém que não conhece açúcar poderia. As linhas em seu rosto e um brilho no olhar denunciavam a nostalgia que se apoderava dele. — Hermes é uma lenda, uma das maiores. O grande campeão do rei.

— Pára com isso! — Rafael pretendeu um tom de deboche que no fim transpareceu certa irritação. — Você não conhece meu avô. Ele é só um carpinteiro metido a Gepeto.

— É mesmo? E por acaso o carpinteiro Hermes não teria uma cicatriz no lado esquerdo do rosto?

Rafael se mexeu no banco, irrequieto e sem ter como retrucar. Lembrava-se de por diversas vezes ter perguntado ao avô como ele conseguira a cicatriz entre o olho e a narina esquerda. Não se lembrava no entanto de em alguma delas ter recebido qualquer resposta. O rapaz travava uma luta para permanecer calmo agora que ficava mais difícil negar que aquele homem de fato sabia quem era seu avô. Viu Oldor sorrir, satisfeito.

— Hermes, seu avô, foi o capitão da guarda durante o reinado do falecido Augusto IV de Lúmen. O predileto, tanto do rei quanto da princesa — o anão mantinha os olhos no cachimbo que girava entre os dedos enquanto prosseguia, calculando cada palavra como se o assunto fosse um tabu: — Aparentemente ele nunca falou a respeito do passado, o que é bastante compreensível. Deve ter pensado em proteger a família que construiu no outro mundo. Mas, ouça-me, ele não pode ter se esquecido de que atravessou a fronteira dos mundos cumprindo com seu dever! — Oldor assumia um aspecto que beirava o assustador. — No fim da guerra, quando a derrota da coroa para os rebeldes vermelhos era iminente, Hermes foi escolhido para se exilar na Terra e salvar o tesouro mais precioso do povo de Lúmen. E se você tem dúvidas, filho, por que não tenta me dizer como o orbe estava em suas mãos quando o encontrei na capela?

Rafael concluiu que, se houvesse alguma chance daquilo ser um sonho, estava cada vez mais difícil prever quando ele poderia ter começado.

Um comentário:

Duda Falcão disse...

E aí, brother!Te texto continua otimo. tem ma promoção lá no museu. Mas é só até domingo. Um abraço!