terça-feira, 10 de novembro de 2009

12

— Seu chá vai esfriar — Oldor pôs fim ao silêncio que tomava conta da sacristia, mais escura agora que o fogo junto à parede se apagara de vez. Rafael estava absorto, o turbilhão em sua mente a ponto de enlouquecê-lo.

— Me fala que lugar é esse, de uma vez por todas! — sua voz carregava certo tom de súplica.

— Já lhe disse: Tenébria. Estamos em algum lugar do seu mundo que você não consegue ver. Da mesma forma, seu mundo está aqui em toda parte e ninguém pode chegar até ele. Mas nem sempre foi assim, ou ao menos as histórias dizem que não. As correntezas abriam passagens de um lado a outro durante os grandes temporais e postos de parada como este acolhiam quem atravessasse a fronteira.

À menção disso, Rafael se lembrou da tempestade que se abatera sobre São Paulo na noite anterior. Tinha que admitir que as palavras de Oldor mostravam cada vez mais coerência. O anão mudou o foco da conversa repentinamente:

— Há algo que precisamos descobrir. Quero que você segure a adaga — Rafael mal se lembrava da presença do objeto sobre a mesa. Ergueu-o à altura dos olhos e reparou em seu cabo dourado, reluzindo com a luz avermelhada do orbe, e na lâmina enegrecida e translúcida que de modo algum se assemelhava a qualquer metal que ele já houvesse visto. Uma espiral irregular de fumaça se movia lentamente ao redor da lâmina e se dispersou quando Rafael agitou a adaga para os lados, refazendo-se assim que ele parou. Quando ameaçou tocar a lâmina, foi advertido por Oldor:

— Saiba que isso pode facilmente arrancar seu dedo... — Rafael pensava se lembrar da dor causada por aquela arma rasgando-lhe o peito e achou prudente não arriscar. — Posso garantir, pois eu mesmo a forjei e entreguei nas mãos de Hermes — o anão prosseguia, orgulhoso e nostálgico, ao tempo em que Rafael já não se surpreendia ao ouvir o outro falar do avô — Seu nome é Ceres e há quem trocaria a alma por ela. Não, a razão não vem ao caso... — completou, impedindo Rafael de perguntar. — Agora ordene que Ceres assuma sua verdadeira forma, neto de Hermes, e vejamos se ela tem algo a nos dizer.

Nenhum comentário: